3 de setembro de 2010

Gostaria que meu coração fosse como uma porta giratória por onde as pessoas entrassem e saíssem sem que eu desse a mínima. Apenas passassem por mim, deixando souvenirs, mas não marcas. Gostaria de esquecer mais facilmente e recordar com tranqüilidade. Achar que o sexo é complicado e que o amor é simples. Deduzir menos e respirar profundamente antes de agir. Deixar de sentir que um ácido corrói meus ossos e sonhos sempre que alguém parte. Fazer minha metade vítima parar de chorar por perdas passadas que, de tão dolorosamente lembradas, se repetem no presente. Ser menos incoerente. Parar de dar a alma pelo azul e - amedrontada com a vulnerabilidade de doar-se - trair o azul com o castanho, como diria Paulo Mendes Campos. Gostaria que minhas neuroses - paradas, imóveis, colocadas de castigo com os rostos voltados para a parede, mas sempre à espreita - deixassem de me assustar na hora mais profunda e plácida da noite, congelando meus pensamentos e liquefazendo as sensações, fundindo-as todas em uma poça de suor e esperança. Amar intensamente o possível e ignorar o distante, difícil, complicado. Andar leve, abandonar o lastro. Nunca mais dizer 'eu odeio', 'boçal', 'trepar' e 'tenho medo'. Dizer muito mais 'sossego', 'adoro quando você fala isso', 'que gostoso', 'sim'. Gostaria de me tornar a materialização da paz satisfeita de um gato ao sol. Trocar a ansiedade deterioradora por uma bala de menta. Ter a pele mais grossa. Gostaria que alguns deixassem de existir para dar espaço para outros andarem mais livres. Sobraria mais ar. Puro. E então essas pessoas seriam mais bobas, comeriam com as mãos, teriam auto-ironia, andariam descalças com freqüência, cobrariam menos, amariam mais e não veriam a felicidade alheia como uma ameaça à sua própria. Mas o que mais gostaria, acima de tudo, é que meu coração fosse como uma porta giratória por onde o amor entrasse facilmente. E não saísse...

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